quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O voto do analfabeto e a cidadania

São muitas as causas históricas que influenciaram no surgimento e crescimento do fenômeno do analfabetismo no Brasil. De antemão, torna-se importante asseverar que o analfabetismo, como fato social que é, só pode ser entendido em relação dialética com as ideologias nascidas na infra-estrutura social que determinaram e continuam a determinar a política educacional brasileira.
Desde o período colonial que a taxa de analfabetismo no Brasil alcança números absurdos. Entretanto, não é da mesma época a preocupação da sociedade brasileira com os efeitos prejudiciais de tal índice. Estudos revelam que o início dessa preocupação é advindo de meados do século XX, século no qual a taxa de analfabetismo chegou a 65%, fazendo com que a parcela da população brasileira apta a exercer o direito de votar fosse extremamente diminuta.
A origem mais longínqua do analfabetismo no Brasil está na própria formação da economia colonial, onde uma minoria de brancos proprietários dirigia o trabalho de milhares de escravos. Nesse Brasil sem mobilidade social, os jesuítas se encarregaram de implantar um sistema educacional voltado para os filhos da elite, ao passo que catequizavam índios e negros para torná-los mão-de-obra submissa, uma vez que a política educacional estava repleta de ideologias e métodos que perpetuavam a condição de inferioridade de negros e índios, contrariando o sentido básico da educação, que é de possibilitar ao educando um quadro de ascensão social.
A cidadania, por sua vez, pode ser definida como a capacidade que o indivíduo social tem de exercitar seus direitos e obrigações da forma mais plena possível, plenitude esta que contribua de forma significativa para a construção de uma sociedade democrática, na qual se respeitem as condições sociais das pessoas e que estas possam exercer seu papel cívico de forma consciente, dispensando à ‘função cidadã’ a sua devida importância. Dessa maneira, aflora-se a dúvida se um analfabeto está em condições aptas a exercer tais direitos e observar suas obrigações.
A princípio, pode argüir que fica extremamente prejudicado o direito de votar caso o eleitor não tenha a capacidade de utilizar a leitura e a escrita para atingir o mínimo grau de consciência política, através da qual o eleitor, alicerçado em informações indispensáveis ao exercício do voto, contribua, na forma mais saliente possível, para a escolha dos representantes que irão dirigir o rumo do seu Estado.
Na escala hierárquica dos problemas sociais brasileiros, situa-se no topo da urgência e relevância o analfabetismo. Pela educação, o homem passa a exercer seus direitos políticos, podendo escolher conscientemente seus representantes e cobrar, eficazmente, a prática das providências necessárias para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária.
Coloca-se, comumente, como uma das causas da defasagem do sistema político atual do Brasil o elevado número de analfabetos. Um fato que comprovaria tal afirmação é a existência, até hoje, de práticas eleitorais que nos causam espanto como, por exemplo, a compra de votos ou captação ilícita de sufrágio. Fazendo uma análise superficial, podemos até afirmar que é bem mais fácil um analfabeto ter seu voto comprado em época de eleições do que um cidadão alfabetizado, visto que aquele não tem a oportunidade de se informar acerca dos candidatos. No entanto, entendemos que o analfabeto é alvo quase certo dessa prática eleitoral ilícita não necessariamente pela sua condição de iletrado, mas sim pela sua condição econômica. Assim, devido à grande parte dos analfabetos encontrar-se em situação de miséria periclitante, um "punhado" de feijão vale bem mais do que um voto para os que vivenciam a miséria extremada.
Não se pode esquecer que para que se obtenha a existência de um sistema democrático na verdadeira acepção de sua expressão, devemos partir do pressuposto da incidência da participação de todos os indivíduos sociais nos destinos do governo. Tal participação dar-se através dos direitos políticos.
Pode-se definir direitos políticos como sendo o complexo de direitos que possibilita à pessoa a participar livremente dos negócios políticos do seu Estado, investindo-se, dessa maneira, de um direito público subjetivo. Vale ressaltar que os direitos políticos encontram-se estritamente atrelados, do ponto de vista objetivo, à configuração da cidadania.

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